terça-feira, 8 de abril de 2014

Filosofia – Capítulo 3 – A origem da filosofia 1ª ano -Turmas 101 e 102

Filosofia – Capítulo 3 – A origem da filosofia
• A palavra filosofia é grega. É composta por duas outras: philo e sophia. Philo deriva-se de philia, que significa amizade, amor fraterno, respeito entre os iguais. Sophia quer dizer sabedoria e dela vem a palavra sophos, sábio.
Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber. Filósofo: o que ama a sabedoria tem amizade pelo saber, deseja saber.
• Atribui-se ao filósofo Pitágoras de Samos a invenção da palavra filosofia. Pitágoras teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.
• Dizia Pitágoras que três tipos de pessoas compareciam aos jogos Olímpicos (a festa pública mais importante da Grécia, na qual havia competições esportivas, concursos artísticos e teatrais): as que iam para comerciar durante os jogos, ali estando apenas para satisfazer sua própria cobiça, sem se interessar pelos torneios; as que iam para competir e fazer brilhar suas próprias pessoas, isto é, os atletas e artistas (pois, durante os jogos também havia competições de dança,poesia, música, teatro); e as que iam para assistir aos jogos e torneios, para avaliar o desempenho e julgar o valor dos que ali se apresentavam. Esse terceiro tipo de pessoa, dizia Pitágoras, é como o filósofo.
• A Filosofia surgiu quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera,começaram a fazer perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres humanos, os acontecimentos naturais e as coisas da natureza podem ser conhecidos pela razão humana, e que a própria razão é capaz de conhecer-se a si mesma.
O que perguntavam os primeiros filósofos
• Por que os seres nascem e morrem? Por que os semelhantes dão origem aos semelhantes, de uma árvore nasce outra árvore, de um cão nasce outro cão, de uma mulher nasce uma criança? Por que os diferentes também fazem surgir os diferentes: o dia faz nascer a noite, o inverno faz surgir a primavera, um objeto escuro clareia com o passas do tempo, enquanto um objeto claro escurece?
• Por que tudo muda? A criança se torna adulta, amadurece, envelhece e desaparece. A paisagem, cheia de flores na primavera, vai perdendo o verde e as cores no outono, até ressecar-se e retorcer-se no inverno. Por que um dia luminoso e ensolarado, de céu azul e brisa suave, repentinamente se torna sombrio, coberto de nuvens, varrido por ventos furiosos, tomado pela tempestade, pelos raios e trovões?
• Por que a doença invade os corpos, rouba-lhes a cor, a força? Por que o alimento que antes me agradava, agora, que estou doente, me causa repugnância? Por que o som da música que antes me embalava, agora, que estou doente, parece um ruído insuportável?
• Por que nada permanece idêntico a si mesmo? De onde vêm os seres? Para onde vão, quando desaparecem? Por que se transforma? Por que se diferenciam uns dos outros?
• Mas, também, por que tudo parece repetir-se? Depois do dia, a noite; depois da noite, o dia. Depois do inverno, a primavera, depois da primavera, o verão, depois deste, o outono, e depois deste, novamente o inverno. De dia, o sol; à noite, a lua e as estrelas. Na primavera, o mar é tranqüilo e propício à navegação; no inverno, tempestuosos e inimigos dos homens. O calor leva as águas para o céu e as traz de volta pelas chuvas. Ninguém nasce adulto ou velho, mas sempre criança, que se torna adulto e velho.
• Foram perguntas como essas que os primeiros filósofos fizeram e para elas buscaram respostas.
• Sem dúvida, a religião, as tradições e os mitos explicavam todas essas coisas, mas suas explicações já não satisfaziam aos que interrogavam sobre as causas da mudança, da permanência, da repetição, da desaparição e do ressurgimento dos seres. Suas respostas haviam perdido a força explicativa, não convenciam nem satisfaziam a quem desejava conhecer a verdade sobre o mundo.
O nascimento da Filosofia
• Os historiadores da Filosofia dizem que ela possui data e local de nascimento: fim do século VII a.C. e início do século VI a.C., nas colônias gregas da Ásia Menor, na cidade de Mileto. E o primeiro filósofo foi Tales de Mileto.
• Além de possuir data e local de nascimento e de possuir seu primeiro autor, a Filosofia possui um conteúdo preciso ao nascer: é uma cosmologia. A palavra cosmologia é composta de duas outras: cosmo (kósmos), que significa “ordem e organização do mundo” ou “o mundo ordenado e organizado”, e logia, que vem da palavra logos, que significa “pensamento racional, discurso racional, conhecimento”. Assim, a Filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da natureza, donde cosmologia.

Mito e Filosofia
• Os historiadores da Filosofia indagam se ela nasceu realizando uma transformação gradual sobre os mitos gregos ou produzindo uma ruptura radical com os mitos.
• O que é um mito?
Mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos homens, da plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da morte, etc.)
Quem narra o mito? O poeta-rapsodo. Quem é ele? Por que tem autoridade? Acredita-se que o poeta é um escolhido dos deuses, que lhe mostram os acontecimentos passados e permitem que ele veja a origem de todos os seres e de todas as coisas para que possa transmiti-la aos ouvintes. Sua palavra – o mito- é sagrada porque vem de uma revelação divina. O mito é, pois, incontestável e inquestionável.
• Como o mito narra a origem do mundo e de tudo o que nele existe?
De três maneiras principais:
1. Encontrando o pai e a mãe das coisas e dos seres, isto é, tudo o que existe decorre de relações sexuais entre forças divinas pessoais. Essas relações geram os demais deuses: os titãs (seres semi-humanos e semidivinos), os heróis (filhos de um deus com uma mulher humana ou de uma deusa com um humano), os humanos, os metais, as plantas, os animais, as qualidades (como quente e frio, seco e úmido, claro e escuro, bom e mal, justo e injusto, belo e feio, certo e errado, etc.).
A narração da origem é assim, uma genealogia, isto é, uma narrativa da geração dos seres, das coisas, das qualidades por outros seres, que são pais ou antepassados.
2. Encontrando uma rivalidade ou uma aliança entre os deuses que faz surgir alguma coisa no mundo. Nesse caso, o mito narra ou uma guerra entre as forças divinas, ou uma aliança entre elas para provocar alguma coisa no mundo dos homens.
3. Encontrando as recompensas ou castigos que os deuses dão a quem os desobedece ou a quem os obedece. Como o mito narra, por exemplo, o uso do fogo pelos homens? Para os homens, o fogo é essencial, pois com ele se diferenciam dos animais, porque tanto passa a cozinhar os alimentos, a iluminar caminhos na noite, a se aquecer no inverno quanto podem fabricar instrumentos de metal para o trabalho e para a guerra. O mito conta que um titã, Prometeu, mais amigo dos homens do que dos deuses, roubou uma centelha de fogo e a trouxe de presente para os humanos. Prometeu foi castigado (amarrado num rochedo para que as aves de rapina, eternamente, devorassem seu fígado) e os homens também.
Qual foi o castigo dos homens? Os deuses criaram uma mulher encantadora, Pandora, a quem foi entregue uma caixa que conteria coisas maravilhosas, mas que nunca deveria ser aberta. Pandora foi enviada aos humanos e, cheia de curiosidade e querendo dar a eles as maravilhas, abriu a caixa. Dela saíram todas as desgraças, doenças, pestes, guerras e, sobretudo, a morte. Explica-se, assim, a origem dos males no mundo.
Cosmogonias e Teogonia
• Vemos, portanto, que o mito narra a origem das coisas por meio de lutas, alianças e relações sexuais entre forças sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos homens. Como os mitos sobre a origem do mundo são genealogias, diz-se que são cosmogonias e teogonias.
• A palavra gonia vem de duas palavras gregas: do verbo gennao (engendrar, gerar, fazer nascer e crescer) e do substantivo genos (nascimento, gênese, descendência, gênero, espécie). Gonia, portanto, quer dizer “geração, nascimento a partir da concepção sexual e do parto”. Cosmos, como já vimos, que dizer “mundo ordenado e organizado”. Assim, a cosmogonia é a narrativa sobre o nascimento e a organização do mundo a partir de forças geradoras (pai e mãe) divinas.
• Teogonia é uma palavra composta de gonia e theos, que, em grego, significa “as coisas divinas, os seres divinos, os deuses”. A teogonia é, portanto, a narrativa da origem dos deuses a partir de seus pais antepassados.
Quais são as diferenças entre Filosofia e mito? Podemos apontar três como as mais importantes:
1. O mito pretendia narrar como as coisas eram ou tinham sido no passado imemorial, longínquo e fabuloso, voltando-se para o que era antes que tudo existisse tal como existe no presente; a Filosofia, ao contrário, se preocupa em explicar como e por que, no passado, no presente e no futuro, as coisas são como são.
2. O mito narrava a origem por meio de genealogias e rivalidades ou alianças entre forças divinas sobrenaturais e personalizadas; a Filosofia, ao contrário, explica a produção das coisas por elementos naturais primordiais (água ou úmido, fogo ou quente, ar ou frio, terra ou seco), por meio de causas naturais e impessoais (ações e movimentos de combinação, composição e separação ente os quatro elementos primordiais).
Assim, por exemplo, o mito falava nos deuses Urano, Ponto e Gaia; a Filosofia fala em céu, mar e terra. O mito narrava a origem dos seres celestes, terrestres e marinhos pelos casamentos de Gaia (a terra) com Urano (o céu) e Ponto (o mar).
A Filosofia explica o surgimento do céu, do mar e da terra e dos seres que neles vivem pelos movimentos e ações de composição, combinação e separação dos quatro elementos – úmido, seco, quente e frio.
3. O mito não se importava com contradições, com o fabuloso e o incompreensível, não só porque esses eram traços próprios da narrativa mítica, como também porque a confiança e a crença no mito vinham da autoridade religiosa do narrador.
A Filosofia, ao contrário, não admite contradições, fabulação e coisas incompreensíveis, mas exige que a explicação seja coerente, lógica e racional; além disso, a autoridade da explicação não vem da pessoa do filósofo, mas da razão, que é a mesma em todos os seres humanos.
Condições históricas para o surgimento da Filosofia
Podemos apontar como principais condições históricas para o surgimento da Filosofia na Grécia:
• As viagens marítimas, que permitiram aos gregos descobrir que os locais que os mitos diziam habitados por deuses e titãs eram, na verdade, habitados por outros seres humanos, e que as regiões dos mares que os mitos diziam habitados por
• a invenção do calendário, que é uma forma de calcular o tempo segundo as estações do ano, as horas do dia, os fatos importantes quês e repetem, revelando, com isso, uma capacidade de abstração nova, ou uma percepção do tempo como algo natural, e não como uma força divina incompreensível;
• a invenção da moeda, que permitiu uma forma de troca que não se realiza como escambo ou em espécie (isto é, coisas trocadas por outras coisas), e sim uma troca abstrata, uma troca feita pelo cálculo do valor semelhante das coisas diferentes, revelando,portanto, uma nova capacidade de abstração e de generalização;
• o surgimento da vida urbana, com predomínio do comércio e do artesanato, desenvolvendo técnicas de fabricação e de troca e diminuindo o prestígio das famílias da aristocracia proprietária de terras, por quem e para quem os mitos foram criados; além disso, o surgimento de uma classe de comerciantes ricos, que precisava encontrar pontos de poder e prestígio para suplantar o velho poderio da aristocracia de terras e de sangue, fez com que se procurasse o prestígio pelo patrocínio e estimulo às artes, ás técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente onde a Filosofia poderia surgir;
• a invenção da escrita alfabética, que, como a do calendário e a da moeda, revela a crescimento da capacidade de abstração e de generalização, uma vez que a escrita alfabética ou fonética, diferentemente de outras escritas – como, por exemplo, os hieróglifos dos egípcios ou os ideogramas dos chineses -, supõe que não se represente uma imagem da coisa que está sendo dita, mas que se ofereça um sinal ou signo abstrato (uma palavra) dela.
• a invenção da política, que introduz três aspectos novos e decisivos para o nascimento da Filosofia:
1. A idéia da lei como expressão da vontade de uma coletividade humana que decide por si mesma o que é melhor para si e como ela definirá suas relações internas. O aspecto legislado e regulado da cidade – da pólis – servirá de modelo para a Filosofia propor o aspecto legislado, regulado e ordenado do mundo como um mundo racional.
2. O surgimento de um espaço público, que faz aparecer um novo tipo de palavra ou de discurso, diferente daquele que era proferido pelo mito.
3. A idéia de discussão pública das opiniões e idéias, pois a política estimula um pensamento e um discurso que não procuram ser formulados por seitas secretas dos iniciados em mistérios sagrados, mas que procuram, ao contrário, ser públicos, ensinados, transmitidos, comunicados e discutidos.
O legado da Filosofia grega para o Ocidente europeu
Desse legado, podemos destacar como principais contribuições as seguintes:
● A ideia de que a Natureza opera obedecendo a leis e princípios necessários e universais, isto é, os mesmos em toda a parte e em todos os tempos. Assim, por exemplo, graças aos gregos, no século XVII da nossa era, o filósofo inglês Isaac Newton estabeleceu a lei da gravitação universal de todos os corpos da Natureza.
Um outro exemplo: as leis geométricas do triângulo ou do círculo, conforme demonstraram os filósofos gregos, são universais e necessárias, isto é, seja em Tóquio em 1993, em Copenhague em 1970, em Lisboa em 1810, em São Paulo em 1792, em Moçambique em 1661, ou em Nova York em 1975, as leis do triângulo ou do círculo são necessariamente as mesmas.
Um dos legados mais importantes da Filosofia grega é, portanto, essa diferença entre o necessário e o contingente, pois ela nos permite evitar o fatalismo - “tudo é necessário, temos que nos conformar e nos resignar” -, mas também evitar a ilusão de que podemos tudo quanto quisermos, se alguma força extranatural ou sobrenatural nos ajudar, pois a Natureza segue leis necessárias que podemos conhecer e nem tudo é possível por mais que o queiramos.
Em suma, a Filosofia surge quando se descobriu que a verdade do mundo e dos humanos não era algo secreto e misterioso, que precisasse ser revelado por divindades a alguns escolhidos, mas que, ao contrário, podia ser conhecida por todos, através da razão, que é a mesma em todos; quando se descobriu que tal conhecimento depende do uso correto da razão ou do pensamento e que, além da verdade poder ser conhecida por todos, podia, pelo mesmo motivo, ser ensinada ou transmitida a todos.
CHAUÍ, Marilena. O Surgimento da Filosofia in Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

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